sábado, 11 de setembro de 2010

Presença

"O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso." Catecismo 27

Por Rafaela Carvello

Desde o começo eu sabia de sua existência. Percebia a forma com que me observava os passos infantins e em como me livrava dos perigos de uma criança levada. Lembro-me com clareza do dia em que poderia ter morrido afogado no córrego da fazenda de meus avós. Lá no meio das águas revoltas sua mão apareceu em forma de galho de árvore e nele me agarrei até recuperar o vigor e conseguir respirar com liberdade novamente. Recordo-me das noites em que perdia o sono e visualizava monstros e "espíritos" nas sombras deixadas nas paredes de meu quarto. Queria gritar, fechava os olhos apertadinhos e logo os abria na esperança de que tudo não passasse de um sonho. Mas nesses momentos pensava nele e podia sentí-lo sentado ao meu lado.

Todas as noites mamãe me mandava dormir com Deus e eu obedecia. Mesmo não o vendo eu sabia que era um cara bacana. Então chegava para o canto da cama e deixava o espaço para ele deitar. Durante toda minha infância ele dormiu comigo. Quando eu fui para meu primeiro dia de aula papai me disse para eu não chorar porque Deus estaria segurando a minha mão. Não chorei, fui até a escola acompanhado de minha babá que segurava minha mochila e de Deus que segurava em minha mão. Na sala de aula eu sempre ocupei duas cadeiras. A minha e a dele. A primeira eu ocupava e na outra colocava os materiais sobre o colo de meu amigo. Quando me perguntavam se podiam sentar-se ali, eu permitia, porque sabia que eles estariam sentados no colo de Deus e mamãe falava que ele gostava de colocar as crianças no colo.

Um dia quando estava no colegial meu coração passou a bater estranho, minha mão soava frio e ficava vermelho sempre que encontrava Rebeca. Tinha vergonha e não entendia bem o que sentia. Ele foi o primeiro a saber do que se passava comigo. Não respondeu nada(ele quase não falava) mas pude sentir suas gargalhadas diante do desafio de amor que se plantava em minha frente. Era tímido, medroso e não sabia como agir. Foi então que lembrei-me da história de Tobit e Sara em seu livro chamado de Biblía, presente da minha avó após minha primeira comunhão. Ao reler a história pude sentir sua voz a encorajar-me....vai filho! Vai!

Ele sempre esteve comigo. Esteve no primeiro dia em que levei Rebeca para o cinema. Nesse data sentamos os três nas filas do meio para assistir um romance qualquer. No dia do vestibular enquanto suava de medo senti sua presença viva ao meu lado...queria que ele me soprasse as respostas de química e a fórmula da potência de física. Mas isso seria uma trapassa com os colegas e isso ele não gosta. Na verdade, é sempre muito sincero e não gosta de mentiras. Por isso, preferiu continuar silencioso ao meu lado, mas sempre ali para que eu não me sentisse sozinho.

Na faculdade conheci um mundo novo, o científico e os novos amigos foram ocupando um grande espaço em meus horários. Comecei a me distanciar dele. Mas poxa!Eu estava lutando pelo meu futuro e chegava cansado, sem muito esforço caia no sono e esquecia de deixar espaço para ele na cama. Ou ainda, de lhe contar pelo menos alguma coisa nova de meu dia. Fui ficando cada dia mais silencioso e distante de sua presença. O estranho é que mesmo tendo tudo: família, amigos legais, namorada bacana, universidade e um emprego, sentia-me vazio. Faltava algo e era alguma coisa que tive a vida toda mas que por alguma razão se desfez. Comecei a me questionar sobre minha existência. Quem eu era? Para quê servia? E se eu morrer as pessoas vão sentir a minha falta?

Não dei tempo para ordenar as idéias e repensar uma resposta. Talvez a morte poderia arrancar toda a angústia que consumia meu peito. Subi no andar mais alto do prédio onde morava e lá no parapeito comecei a caminhar e olhar a rua, os prédios em volta, a distância. Calculei se de fato a queda me causaria a morte,pois não queria ficar preso a uma cama, mas tinha a certeza que em segundos dali estaria completamente morto. De braços abertos e pronto para o salto fechei os olhos, senti o último respiro de angústia ,e, para a minha surpresa pude ouví-lo. Sua voz veio em forma do vento frio que silencioso roçou minha pele arrepiando os pêlos de meu corpo. Não estava sozinho, nunca estive, ele balançava-me naquele vento como quando brincávamos no balanço da escola. Pudía ouvir e sentir sua presença no parapeito a me observar com ternura.

Desci delicadamente para que o desequilíbrio não findasse meus dias. Ele mais uma vez segurou em minha mão e dormimos juntos. Desta vez, eu não precisei deixar-lhe espaço algum, pois ele me colocara no colo.

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