quarta-feira, 3 de março de 2010

Desamar, amar, desamarrar



Por Rafaela Carvello

Definitivamente não me acostumo com a violência gratuita do mundo, nem com a tentativa de amar as migalhas deixadas pelo outro. Aprendi a amar por inteiro, a doar-me por inteiro, a sofrer por inteiro. Outro dia atendi ao telefone e do outro lado da linha um amigo trouxe a triste notícia do falecimento de um segundo amigo. Por alguns instantes deixei fitar-me pelo silêncio no desejo de buscar a última lembrança de nosso encontro. A pele morena de sol, a camiseta branca e o boné denunciavam a alegria de um adolescente apaixonado por música. Em nossa última conversa, eu trazia a mão dois violões restaurados e ele o questionamento de minha evolução musical a tocar dois instrumentos. Em verdade, falamos pouco, entretanto, aquele dia por razões desconhecidas ficara impresso em algum vagão de minha memória.
_Morreu? Mas ele só tinha 18 anos? Às vezes como comunicadores, lidamos tanto com óbitos, balanços, que a morte torna-se estatística. Até o fim da tarde de ontem 76 pessoas foram assassinadas em Goiânia. Mais um no Jardim Guanabara, uma chacina no Curitiba, outros dois na Vila Nova, e mais três, quatro, e a infinidade de números matemáticos. Os índices deram lugar aos sentimentos. Esquecemos-nos que cada uma das pessoas mortas vítimas da violência urbana traz em si uma história, única, indivisível e pessoal. E junto de si, outras milhares de estórias, familiares, amigos, desejos, sonhos, realizações. Para se dar conta da tênue linha que separa vida e morte é preciso perder o próximo, é necessário sentir o espinho da saudade perfurar lentamente o tecido cardíaco do coração deixando cair pelo rosto lágrimas amargas de sangue.
Meu amigo morreu no trânsito caótico da Capital. O motivo faz parte dos índices de violência no trânsito causada por embriaguez ao volante. O dia mal amanhecera e em uma manhã de domingo, a família católica partiu para a primeira missa. No carro, pai, mãe e filho. A caminho da paróquia que freqüentavam, um automóvel desgovernado avançou o sinal vermelho colidindo lateralmente com o carro  que trafegava na direção correta e respeitava a sinalização local. Na colisão a porta traseira abriu,  a falta de hábito em utilizar o cinto de segurança no passageiro fez com que o corpo de meu amigo fosse lançado contra o solo. O resultado foi mais de trinta dias em coma na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por quase um mês a mãe de meu amigo dormiu nos corredores do hospital. Rezou, conversou, contou-lhe histórias, falou-lhe baixinho aos ouvidos todos os dias do tamanho do amor que sentia. E chorou silenciosa de madrugada ao ouvir a constatação clínica da morte.  O motorista embriagado foi autuado em flagrante, pagou a fiança e responde o processo em liberdade.
A impunidade dói mais que a perda. Ela amordaça a esperança de justiça. Apesar de que não se pode esperar muito do judiciário humano, pois vivemos na terra em que preferiram o ladrão a vida eterna. Meu amigo foi mais um. Seu assassino doloso ou culposo permanece perambulando pelas ruas da cidade. Enquanto isso, meu coração pobre moribundo se esforça para desamar a ausência, continuar a amar nas lembranças e desamarrar a impunidade silenciada. E amar, desamar, amar de novo e desamarrar...

terça-feira, 2 de março de 2010

Ame, simplesmente ame!

Por Sajâmes Paiva


Hoje acordei, pra variar, atrasado. No caminho de casa para o trabalho, fui surpreendido com uma ligação de minha namorada. Ela disse “tenho uma má notícia: o Tiago faleceu nesta madrugada”. Na hora os meus olhos encheram d’água. Para quem não sabe, Tiago era ministro de música, tecladista, estava internado na UTI devido a um acidente automobilístico, no qual uma pessoa embriagada avançou o sinal e colidiu contra o carro que ele e sua família estavam. Pelo pouco que o conheci, sei que além de tocar na Paróquia Sagrada Família, ele ajudava em outras comunidades também. Chegamos a tocar juntos em algumas ocasiões. Ele chegou a fazer parte do nosso ministério. Mas por motivos, hoje, insignificantes, não permaneceu conosco. Menino tranqüilo, de voz suave e expressões angelicais. Tivemos alguns momentos de conversas. Lembro de um em especial: eu estava em Campinas, na Avenida 24 de outubro, trabalhando vestido de palhaço, encontrei com ele por acaso e fomos tomar um lanche juntos. Lembro que tomamos uma Fanta laranja. Ele me disse que tinha uma grande vontade de se vestir de palhaço, ir a creches e hospitais e levar alegria as pessoas que estivessem nesses lugares. Ele me convidou pra juntos fazermos isso. Eu disse que iria. Mas não tivemos oportunidade para isso. Essa é a recordação que tenho dele, hoje, sabendo de seu falecimento. Sei que o Tiago está junto do Pai. Estamos aqui na terra tristes e saudosos. Mas ele com certeza está bem. Hoje está tocando pessoalmente pra Deus, pra Jesus e pra Maria. Fica pra mim, uma lição: amar, simplesmente amar! Todos, sem distinção. Servir a Deus, evangelizar! Um menino tão novo perde a sua vida. Um servo de Deus. Esta vida é muito breve. Temos a oportunidade nos amarmos uns aos outros e não o fazemos. Deixamos que pequenas coisas tirem-nos da Graça e do Amor de Deus. Aos pais e familiares do Tiago desejo toda a paz, tranqüilidade e o conforto que só o Espírito Santo de Deus pode lhes dar. E Tiago, que você esteja junto ao Pai! Você me ensinou muita coisa apesar do pouco tempo que passamos juntos. Perdoe-me pela minha ausência e intransigência. Você sem duvidas é e sempre será uma pessoa muito especial para todos nós. Hoje o Céu está mais alegre com sua presença.