quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Espera

"Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação;humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade,sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça.Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência.Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação."
                                                                                            Eclo 2,1-5

Por Rafaela Carvello


Esperar é ter fé. É acreditar em algo a respeito do que não se vê. O dilema "viver ou esperar" nos bombardeia diariamente e decidí-lo parece fazer parte de uma missão impossível. Entretanto, é preciso ter critérios e sabedoria para definir em qual das posições devemos estar diante desta ou daquela decisão. Imagine que um motorista de um ônibus com 40 passageiros dirija a uma velocidade de 100Km/hora. De repente, em sentido contrário surge um caminhão em alta velocidade. Na sua opinião o que ele deve fazer? Ser rápido no volante e desviar ou esperar que o outro veículo colida com o ônibus? E você o que faria?


Imagine agora que você está sofrendo de um câncer agressivo e os médicos já lhe alertaram para a possibilidade da morte. O que fazer? Prosseguir com o tratamento e esperar a cura ou desligar a possibilidade da vida? O que você faria? Todos os dias Deus nos permite decidir entre o "viver e o esperar". A decisão é nossa. A diferença porém, está na relação de confiança que se estabelece com ele. Por exemplo, quando temos de decidir entre um concurso, vaga de emprego ou relacionamento temos a liberdade de fazer nossas próprias escolhas, mas temos a chance de colocar o novo projeto ou a decisão nas mãos daquele que é amor.


Não existe nenhum caminho escolhido pelo homem, no qual, Deus deixe de amá-lo. Deus nos ama indiscutivelmente, oportuno e inoportunamente. Quando nós decidimos por um caminho ele estará sempre ao lado a ser luz onde há trevas, consolo na tribulação, amor na desesperança. Isso significa que esperar faz parte da vida daqueles que vivem em Deus. Ou seja, a diferença entre tomar uma decisão com ele ou sem ele está na possibilidade de entregá-la no colo do pai antes mesmo de ser tomada. "Pai essa é a minha vontade,mas que seja feita a sua."


Quando nos decidimos por viver os planos de Deus aprendemos com duras penas a esperar através dos olhos da fé. Esperamos por algo que nem sequer sabemos quando será, porém, durante essa espera não desistimos de atuar para que a graça aconteça. Afinal de contas, Jesus não tinha onde recostar a cabeça, por isso, não tem apreço por pessoas acomodadas. Abaixo aos Cristãos de banco, que sentados e alimentados da palavra e pelos sacramentos de Deus ruminam o que ganharam sem dividir o presente com alguém.


O livro de Tobias ilustra com clareza essa realidade. Rute se casara com 7 maridos, porém, todos morriam na noite de núpcias. Aos poucos ela foi sendo mal tratada pelas criadas que a consideravam infertil e infeliz...para elas Rute jamais se casaria. Diante da falta de expectativas Rute sofria e, por vezes, chegou duvidar de que talvez viesse a encontrar possibilidade de matrimônio. Apesar disso, ela não desistiu. Por três dias orou e consagrou a Deus sua vida afetiva. No mesmo dia, em uma cidade distante dali Tobit fez oração semelhante.


Deus ouviu as duas preces e permitiu que na esperança, na entrega e na fé de Sara e Tobias toda a vitória seria consolidada. Tobias conhece Sara, se casam e ....viveram felizes para sempre? Eles viveram das promessas de Deus. Antes de serem um do outro eles consagraram suas vidas, a noite de núpcias e a futura família ao Senhor. Isso é fé. Esse é o retrato da confiança nas promessas. Será que Sara deveria ter sido feliz ao lado de um dos 7 que passaram pela vida dela antes de Tobias? E Tobias porque viajar tão longe para seu pai? Havia necessidade já que Tobit tinha muitos empregados?


O que precisamos entender é que devemos esperar conforme a vontade daquele que nos deu a vida. Se a promessa nos foi feita há 3 anos atrás. O que importa é que hoje três anos depois estamos mais perto da graça do que quando a promessa nos foi feita. É sofrer as demoras de Deus e acreditar no prêmio a respeito do que não se vê. E você o que pretende fazer: Viver ou esperar? 




























sábado, 11 de setembro de 2010

Presença

"O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso." Catecismo 27

Por Rafaela Carvello

Desde o começo eu sabia de sua existência. Percebia a forma com que me observava os passos infantins e em como me livrava dos perigos de uma criança levada. Lembro-me com clareza do dia em que poderia ter morrido afogado no córrego da fazenda de meus avós. Lá no meio das águas revoltas sua mão apareceu em forma de galho de árvore e nele me agarrei até recuperar o vigor e conseguir respirar com liberdade novamente. Recordo-me das noites em que perdia o sono e visualizava monstros e "espíritos" nas sombras deixadas nas paredes de meu quarto. Queria gritar, fechava os olhos apertadinhos e logo os abria na esperança de que tudo não passasse de um sonho. Mas nesses momentos pensava nele e podia sentí-lo sentado ao meu lado.

Todas as noites mamãe me mandava dormir com Deus e eu obedecia. Mesmo não o vendo eu sabia que era um cara bacana. Então chegava para o canto da cama e deixava o espaço para ele deitar. Durante toda minha infância ele dormiu comigo. Quando eu fui para meu primeiro dia de aula papai me disse para eu não chorar porque Deus estaria segurando a minha mão. Não chorei, fui até a escola acompanhado de minha babá que segurava minha mochila e de Deus que segurava em minha mão. Na sala de aula eu sempre ocupei duas cadeiras. A minha e a dele. A primeira eu ocupava e na outra colocava os materiais sobre o colo de meu amigo. Quando me perguntavam se podiam sentar-se ali, eu permitia, porque sabia que eles estariam sentados no colo de Deus e mamãe falava que ele gostava de colocar as crianças no colo.

Um dia quando estava no colegial meu coração passou a bater estranho, minha mão soava frio e ficava vermelho sempre que encontrava Rebeca. Tinha vergonha e não entendia bem o que sentia. Ele foi o primeiro a saber do que se passava comigo. Não respondeu nada(ele quase não falava) mas pude sentir suas gargalhadas diante do desafio de amor que se plantava em minha frente. Era tímido, medroso e não sabia como agir. Foi então que lembrei-me da história de Tobit e Sara em seu livro chamado de Biblía, presente da minha avó após minha primeira comunhão. Ao reler a história pude sentir sua voz a encorajar-me....vai filho! Vai!

Ele sempre esteve comigo. Esteve no primeiro dia em que levei Rebeca para o cinema. Nesse data sentamos os três nas filas do meio para assistir um romance qualquer. No dia do vestibular enquanto suava de medo senti sua presença viva ao meu lado...queria que ele me soprasse as respostas de química e a fórmula da potência de física. Mas isso seria uma trapassa com os colegas e isso ele não gosta. Na verdade, é sempre muito sincero e não gosta de mentiras. Por isso, preferiu continuar silencioso ao meu lado, mas sempre ali para que eu não me sentisse sozinho.

Na faculdade conheci um mundo novo, o científico e os novos amigos foram ocupando um grande espaço em meus horários. Comecei a me distanciar dele. Mas poxa!Eu estava lutando pelo meu futuro e chegava cansado, sem muito esforço caia no sono e esquecia de deixar espaço para ele na cama. Ou ainda, de lhe contar pelo menos alguma coisa nova de meu dia. Fui ficando cada dia mais silencioso e distante de sua presença. O estranho é que mesmo tendo tudo: família, amigos legais, namorada bacana, universidade e um emprego, sentia-me vazio. Faltava algo e era alguma coisa que tive a vida toda mas que por alguma razão se desfez. Comecei a me questionar sobre minha existência. Quem eu era? Para quê servia? E se eu morrer as pessoas vão sentir a minha falta?

Não dei tempo para ordenar as idéias e repensar uma resposta. Talvez a morte poderia arrancar toda a angústia que consumia meu peito. Subi no andar mais alto do prédio onde morava e lá no parapeito comecei a caminhar e olhar a rua, os prédios em volta, a distância. Calculei se de fato a queda me causaria a morte,pois não queria ficar preso a uma cama, mas tinha a certeza que em segundos dali estaria completamente morto. De braços abertos e pronto para o salto fechei os olhos, senti o último respiro de angústia ,e, para a minha surpresa pude ouví-lo. Sua voz veio em forma do vento frio que silencioso roçou minha pele arrepiando os pêlos de meu corpo. Não estava sozinho, nunca estive, ele balançava-me naquele vento como quando brincávamos no balanço da escola. Pudía ouvir e sentir sua presença no parapeito a me observar com ternura.

Desci delicadamente para que o desequilíbrio não findasse meus dias. Ele mais uma vez segurou em minha mão e dormimos juntos. Desta vez, eu não precisei deixar-lhe espaço algum, pois ele me colocara no colo.